Tenho andado cansada. Cansada das pessoas que me cercam, do meu estilo de vida, da minha situação financeira, até da minha cara tomei um certo abuso.
Continuo convivendo com tudo isso, pois acredito que não consiga chegar ao extremo da desistência (que é sair para fora desse círculo de forma deliberada).
Gosto de viver. É bom estar viva. Só é cansativo. E tem sido muito.
Os finais de semana estão sendo reservados para descanso, ao invés de acompanhar meus amigos na correria entre bares, restaurantes e sambas espalhados pela cidade. Ando me reservando a não fazer nada que exija mais do que ficar deitada, comer uma comidinha gostosa e conversar amenidades com pessoas próximas que compartilham do mesmo estado de espírito.
Meu estado natural é deitada.
Ver a vida passar sem pensar em nada que tenha esse caráter produtivo tão em voga. Tenho gostado de ser assim. De estar assim no mundo.
Todo esse papo talvez tenha influência da leitura de A Paixão segundo G.H. É um livro que me tem provocado uma sensação ambígua de não estar entendendo nada e de compreensão de absolutamente tudo. Como quando experimentamos pela primeira vez uma substância que altera nosso estado de consciência: a certeza de tudo nos invade e essa mesma lucidez provoca também uma confusão em nossa percepção de mundo e de nós mesmos. O uso de Clarice Lispector me faz uma psiconauta?
Hoje de manhã li a edição da Página Cinco que fala sobre os superleitores, pessoas que estabelecem metas de leituras anuais, mensais e até diárias que são completamente absurdas (300 livros por ano ou um livro em 24h) e de como a prática de leitura tem se tornado um campo de competição entre leitores (leia enquanto eles dormem!). A velha conhecida lógica de produtividade que ando rechaçando ao me manter deitada, lendo meus livros pausadamente, intervalando a leitura com pensamentos vindos diretamente de um teto rachado ou uma teia de aranha na quina de paredes.
Como ler Clarice estabelecendo uma meta? São livros e textos curtos, que facilmente podem ser finalizados em poucos dias (ou até em um único dia), mas o que levaremos disso?
Números.
Nada mais.
O próprio tempo que G.H fica no quartinho dos fundos é indicativo de que o que se lê não é prontamente compreensível. Não. Dura muito. Uma vida. Um final de semana deitada não é o suficiente.
Um flash surge da leitura e a gente tem que ter a sagacidade de capturá-li o e iniciar o processo de maturação daquilo que foi percebido.
Leva tempo.
E passa longe de ser cansativo.
Na verdade, é extremamente gratificante.
Para que essa pressa, menina?
Vamos devagar.
.escrevo, assim, minhas palavras.
Meus livros e discos e outras coisas a mais
Outra coisa que tenho desacelerado é a forma que escuto música. Tem muito disso na escolha da mídia física em vinil, mas também é possível ter essa prática utilizando as plataformas digitais tranquilamente. Alguns adeptos da cultura do vinil, por vezes (muitas, inclusive), se colocam numa posição acima dos demais, como superior e únicos capazes da boa apreciação musical, mas acho que é bem possível ouvir música sem nenhum compromisso e atenção seja num toca discos Hi-Fi, seja na caixinha de som comprada no camelô do centro da cidade.
Final de semana passado trouxe para casa uns discos que estavam relegados à poeira na casa de meu namorado. Prometi que daria um trato neles, higienizando e verificando o estado das mídias. Trouxe comigo Olodum, Keith Jarrett, Thelonious Monk, Armandinho, Dodô e Osmar, Chico Buarque, Arrigo Barnabé, Novos Baianos (que estava quebrado, mas consegui dar um jeito - milagre - e tocou perfeitamente), Bob Marley e Moacir Santos.
Gosto bastante das etapas que envolvem escutar música através de disco de vinil. A lavagem com cuidado e paciência, prestando atenção nos movimentos, depois a espera da secagem, tudo ali nos possibilita desacelerar um pouco da correria que é a vida contemporânea. Enquanto os discos secavam no escorredor de pratos, fui limpar as capas e ler alguns encartes. Troquei os plásticos e tirei a poeira do meu toca discos. Pesquisei sobre os artistas/bandas e os discos que em breve ouviria.
Sem pressa. Aproveitando o silêncio que precedia o som.
Acho que é isso.
Temos uma publicação?
Eu em cada palavra: "Tenho andado cansada. Cansada das pessoas que me cercam, do meu estilo de vida, da minha situação financeira, até da minha cara tomei um certo abuso".
Sigamos.
Ludmila, minha (des)resolução para 2024 foi fazer menos. Eu estava me sentindo exatamente assim como você em 2023, absolutamente exausta de tudo. Tenho me mantido firme na minha meta de fazer pouco ou nem fazer e, quando fazer, ir sem pressa. Tenho me sentido muito melhor desde então.